DIGITE ABAIXO SUA BUSCA

Entrevista com Calebe Lopes

 

Calebe Lopes entrevistou Lula Magalhães para o CINE HORROR e o resultado foi tão bom que sugerimos que o inverso fosse feito. O resultado você confere logo abaixo: 


 


"Os caminhos pra se produzir independente são: estudar cinema e botar a mão na massa"


 -  Calebe Lopes


LM: Calebe, você tem uma crença admirável no cinema de gênero terror e corre atrás disto com força e garra nos seus trabalhos que são realizados na guerrilha de forma independente. Você acredita que existe um mercado cinematográfico no Brasil a ser explorado para este tipo de produção ou seria tudo só loucura e amor? Quais os caminhos para um cineasta que quer produzir de forma independente e ao mesmo tempo ter seu trabalho visto por muitas pessoas, independente do gênero que trabalha?                                        


CL: Olha, acredito que, cada vez mais, o cinema nacional tem se aberto pro horror. Graças ao trabalho de cineastas como Gabriela Amaral Almeida, Juliana Rojas, Marco Dutra, Kleber Mendonça Filho, e ao reconhecimento em diversos níveis (até mesmo projetos financiados por editais) do cinema de caras como Rodrigo Aragão, ou as temporadas em cartaz de filmes independentes como Condado Macabro e O Diabo Mora Aqui. O cinema de terror brasileiro é uma realidade novamente, e aos poucos as pessoas vão descobrindo-o. O público mais cinéfilo vai aprendendo a reconhecer seu valor através de festivais – que, felizmente, tenho visto cada vez mais abertos ao cinema de gênero -, e o grande público aos poucos vai criando certa curiosidade e expectativa. Esse ano tivemos O Rastro, que já gerou certo barulho, vi gente falando que nunca tinha ouvido falar de filme de terror nacional antes dele. Recentemente tivemos Diário de um Exorcista adentrando na Netflix, que no passado abrigou Porto dos Mortos em seu catálogo. Enfim, aos poucos vamos conquistando espaço. Acho que os próximos 10 anos são decisivos pra isso, e logo teremos filmes nacionais de terror e ficção-científica conseguindo espaço nas bilheterias.


Os caminhos pra se produzir independente são: estudar cinema e botar a mão na massa. Quando me refiro a estudar cinema, não me refiro tanto ao meio acadêmico da coisa (embora uma formação em coisas como filosofia, política, história, sociologia e psicologia caiam muitíssimo bem pra quem quer fazer filmes), mas ao autodidatismo mesmo, temos uma internet aí que nos permite não apenas ter acesso a filmes, mas livros sobre cinema, vídeos de tutoriais, etc. Nesse quesito, acho indispensável conhecer o cinema brasileiro. Não se faz cinema no Brasil sem saber onde se está pisando, cada vez mais se revela necessário voltarmos aos que vieram antes de nós e tentar compreender como eles conseguiam fazer tão bem – ou não – o que estamos nos propondo a fazer. A segunda parte, do botar a mão na massa, é fácil: se cercar de mulheres e homens que têm os mesmos sonhos que você, a mesma sede, o mesmo desejo, e fazer acontecer. Para um bom cineasta, embora faça diferença, equipamento é o de menos pra se fazer um grande filme. Câmera na mão e ideia na cabeça é possível sim, ainda que seja um “celular na mão e ideia na cabeça”. O importante é treinar, é produzir. Ir fazendo, postando na internet, pedindo opiniões e críticas e sendo muito autocrítico. Vai chegar o tempo do amadurecimento, quando esses filmes já estarão prontos pra festivais e mostras de cinema, daí é só mandar e ver no que dá. O essencial é a humildade, o começar de baixo e saber que tudo bem assim. Cinema é muito mais do que supõe nossa vã prepotência, de achar que vamos acertar ao ligar a câmera e imitar um movimento que achamos legal em Clube da Luta. É mais, muito mais.


LM: Um outro caminho mais tradicional seria os editais do governo que cresceram muito no Brasil e transformou o cinema nacional numa vitrine para muitos festivais internacionais. Como são os incentivos no estado da Bahia para os realizadores? Há uma preocupação estadual ou municipal em ajudar o cinema?


CL: Felizmente temos tido alguns editais nos últimos dois anos, ainda tem muita coisa pra se ajeitar, pra se esclarecer e melhorar, mas sou otimista quanto a isso, segundo minha perspectiva de quem está começando. Os editais tanto estaduais quanto municipais têm surgido aos poucos, uns mais generosos que outros, mas acho que é importante o existir. Pequenos passos que podem tornar-se grandes saltos, e nós, enquanto cineastas, precisamos tomar partido e contribuir com essas reivindicações. Exige certo tipo de envolvimento que eu, por enquanto, ainda não tenho, por exemplo.


LM: Você bate muito na tecla do processo de distribuição como sendo uma plataforma essencial para que o filme seja produzido e chegue ao grande público. Como você vê o papel da internet em tudo isto? Dá para explorar este nicho atraindo o espectador e ao mesmo tempo ter pretensões financeiras de retorno?


CL: Olha, pretensões financeiras eu ainda acho difícil, sinceramente. A menos que você tenha um curtinha de 3 minutos e o filme viralize, bombe no YouTube, é difícil ganhar grana na internet com curtas, pelo menos. Com longas, há sempre a opção do VOD, o Vimeo tem um serviço bem bom nesse sentido. Pra retorno, ainda é difícil – não apenas na internet, mas até nas salas de cinema. Agora, pra distribuição, a internet é uma ferramenta importante. Não tanto no sentido de distribuir mas, como você falou, no sentido de chegar ao público. Ela permite uma comunicação rápida e eficiente, que pode crescer cada vez mais, mas exige estratégia e paciência. No entanto, não se constrói carreira como cineasta contando apenas com a internet, é raríssimo. Nesse sentido, o passo para o reconhecimento enquanto cineasta, e o contato com o público que realmente vai ter uma recepção, provável, melhor apropriada pro seu filme, ainda são os festivais – que, por sua vez, também se apropriam muito bem da internet.



"O essencial é a humildade, o começar de baixo e saber que tudo vem assim. Cinema é muito mais do que supõe nossa vã prepotência, de achar que vamos acertar ao ligar a câmera e imitar um movimento que achamos legal em "Clube da Luta" (filme norte-americano de 1999 do cineasta David Fincher). É mais, muito mais"


 


- Calebe Lopes


LM: Percebi que “A Noite mais longa de minha Vida” foi um divisor de águas para que você engrenasse de fato no gênero terror. O filme tem um clima claustrofóbico que vai apertando a garganta do expectador lentamente até o clímax final. O diálogo inicial (com sua memorável participação) prepara o terreno para algo bem sombrio que vai acontecer. Diria que o filme tem uma produção simples e é carregado de muita tensão concentrada nos planos e na trilha sonora. Quais foram suas inspirações para este trabalho? Por que decidiu se entregar ao gênero de terror? Pretende seguir nesta linha ou vai variar com outros gêneros como no filme “Lembranças Dela”?


CL: Narrativa e musicalmente, a principal inspiração é o John Carpenter, que pra mim é o mestre do cinema de terror, não há outro igual. Na época eu tinha descoberto a filmografia do cara há pouco tempo, e estava maravilhado com tudo aquilo. No entanto, A Noite Mais Longa de Minha Vida tem outras inspirações. Acho que o visual do filme foi bem inspirado por Nicolas Winding Refn e seu Only God Forgives, e pelo Gaspar Noé e seu Irreversível, que, como você sabe, é um filme que abomino, mas cujo visual funciona muito bem, é opressivo. Eu queria a opressão que a iluminação suja de ambos os filmes me transmitia. Há também a referência de um filme que eu adoro, que é o It Follows, do David Robert Mitchell, que é um filme de terror bem oitentista que acho fascinante. Fora isso tudo, há pequenas outras referências, de planos que bebem muito de David Lynch – principalmente Lost Highway -, José Mojica Marins (há um corte que é, essencialmente, de À Meia-Noite Levarei sua Alma), elementos de Cronenberg, entre outros. Meus filmes são uma salada mista, por assim dizer. O terror me atrai bastante, e tenho planos de continuar no cinema de gênero, tenho ideias tanto para horror quanto para ficção-científica. No entanto, um tipo de cinema que vem me conquistando muito ao longo dos anos é o documentário. Eduardo Coutinho tornou-se meu cineasta brasileiro preferido muito rápido, foi um cinema que despertou muita sede em mim, não só a filmografia dele como todo o gênero, consumi e consumo até hoje, compro filmes e livros e sempre estou estudando. Tenho planos, inclusive, de unir o documental e o cinema de gênero futuramente, estamos trabalhando. Mas, a princípio, gosto de me manter nessas fronteiras tão opostas, do que se constrói com o real e o que se constrói a partir do imaginário.



 Lula Magalhães gravando "Cavalo Marinho"


 


LM: Apesar do cinema de gênero terror/horror/fantástico ter crescido muito no Brasil, prova são o aumento das mostras e festivais dedicados ao gênero, você percebe alguma barreira ou preconceito com o gênero? Sente isto no seu estado? Se sim, comente.


CL: Felizmente, nos festivais eu tenho visto melhora sim. Preconceito acho que sempre tem. Se tem dos próprios cineastas, que dirá do público, né? Mas aos poucos, tenho visto até festivais abrindo mostras paralelas para cinema de gênero, o que é ótimo. O ideal seria que esses filmes estivessem no mesmo espaço que os outros, né? Mas, por enquanto, eu tô é adorando, precisamos de mais mostras paralelas de terror, mais festivais de terror, uma maior dedicação acadêmica ao terror, que é um gênero tão rico mas tão pouco debatido. Na Bahia, por enquanto, acho que sou o único que se assume “cineasta de terror”, mas aos poucos tenho visto cineastas experimentando brincar com o realismo fantástico e o suspense, o que é ótimo. Estamos na melhor época do cinema de terror dentro do cinema nacional, então temos que aproveitar. Se antes tínhamos um Mojica, um Cardoso, um Khouri, hoje temos dezenas de cineastas pra contar histórias assustadoras.


LM: No Brasil, vemos uma publicidade em larga escala de filmes cômicos com uma grande carga de sensualidade. Isto também atrai os investidores que injetam grana para ter cada vez mais salas de cinema exibindo filmes neste gênero. A Globo Filmes é especialista no assunto. Na sua opinião, por que estes filmes fazem tanto sucesso com o público? Será que é herança da nossa pornochanchada ou há uma falha/desinteresse nessa condução do marketing para filmes de outros gêneros que também poderiam atrair um grande público?


CL: A problemática do cinema brasileiro talvez seja complexa demais pra eu me ater à minha opinião, uma vez que eu não sou lá a pessoa mais indicada a falar sobre o assunto porque é um problema histórico, é como uma bola de neve que começou lá atrás. Mas sim, existe certa herança, que combinada com a colonização cultural estadunidense acabou usufruindo de nosso complexo de vira-lata e potencializou a ideia de que não sabemos fazer outros gêneros. Aliado a isso temos as próprias condições de se fazer cinema no Brasil, que só veio melhorar, tecnicamente, pós-retomada. O som era ruim, os efeitos, quando tinham, também, e isso afasta o público. Temos também outro fator aí: não temos cultura de cinema nacional, nosso negócio é a novela, que por sua vez surge da radionovela. Rádio e TV são muito mais presentes na vida dos brasileiros que a ida ao cinema. E aí o tempo vai passando, você vai tendo um cinema que não consegue se equiparar com que o exterior entrega, vai gerando mais preconceito, vai tendo um público que, culturalmente, enxerga o cinema não como uma arma, como uma manifestação artística, mas como lazer. Pro grande público cinema não tem valor político, é apenas um passatempo, programa de família. O cinema também é isso, só que é muito mais. E aí nos encontramos numa situação onde é mais investimento você ir ver o blockbusterzão lá americano dos carros que viram robôs do que assistir, sei lá, O Palhaço do Selton Mello, entende? Porque não temos, culturalmente, nem mesmo aparato pra reconhecer os valores artísticos do filme do Selton, pra boa parte da população é chato, é parado. O cinema argentino funciona tão bem porque a cultura deles é outra, não é tanto a da novela, é a da leitura. E se você lê muito, sua sensibilidade para um roteiro cinematográfico é muito maior, de modo que mais pontes são ligadas nesse processo de imersão na criação duma cultura cinematográfica. E aí, o que a novela oferece, generalizando e sendo um pouco muito preconceituoso? Intriga, comédia, drama, sexo. O cinema acaba indo por esse caminho. O filme brasileiro que dá dinheiro hoje é o protagonizado por aqueles rostos conhecidos da TV. E se surge alguma tentativa diferente – como Quando Eu Era Vivo, de Marco Dutra, terror com nomes conhecidos da TV -, o afegão médio torce a cara, porque “brasileiro não sabe fazer terror”. Aí o filme brasileiro entra num limbo, ou ele é “americanizado demais”, ou “perde em comparação aos americanos”, e ainda tem o “artístico demais, intelectual demais”, que talvez já entre em outro problema, já que a maioria dos cineastas não faz cinema pro povo, faz cinema pra cinéfilos e intelectuais. Enfim, é um processo muito longo, nem quero me alongar. Mas pode anotar: o primeiro passo pra se conquistar o público é a representatividade. Se o brasileiro ver seus medos num filme de terror, ele não vai precisar de Freddy Krueger não.


LM: O recente filme de terror “O Rastro” teve um grande investimento em publicidade (inclusive é uma co-produção da Globo Filmes). Você avalia este novo olhar de gigantes como a Globo Filmes como uma mudança na forma de fazer cinema?


CL: Na forma de se fazer, eu não sei se diria, mas claramente indica certa abertura, certo “e se...?”, que é muito bom. Eles não vão meter as caras de vez e sair produzindo filmes diferentões. Existe um estudo de mercado aí. Aí você tem o filme da Rojas e do Dutra de terror que ganha prêmio em Locarno, você tem o filme independente com rostos conhecidos lançado pela Globo, você tem a série que mistura terror e ficção-científica que passa na Globo. São pequenos indícios que vão surgindo de que algo está mudando. A internet, nesse quesito, é uma peça fundamental. Porque uma das falhas da distribuição do cinema brasileiro é que ela não chega ao público, dos 146 filmes brasileiros lançados nos cinemas nacionais em 2016 quantos ouvimos falar? Porque a Globo divulga seus próprios filmes, mas e aqueles que não têm vínculos com nenhum desses canais – sendo a televisão ainda o principal meio de comunicação da maior parte dos brasileiros? A internet surge com força pra mostrar o caminho alternativo, ajudar a gente a sair da caverna e descobrir um lindo sol lá fora chamado cinema brasileiro. Isso foi tão piegas, tão de humanas, que... Jesus.


 



"O primeiro passo pra se conquistar o público é a representatividade. Se o brasileiro ver seus medos num filme de terror, ele não vai precisar de Freddy Krueger não"


 


-  Calebe Lopes


 


LM: Atualmente está rodando alguma produção? Quais seus projetos futuros?


CL: Estamos aguardando alguns editais aí, eu criei uma série infanto-juvenil que envolve super-heróis e horror e estamos vendo como captar essa grana. Fora isso, tenho alguns roteiros de curtas e estou desenvolvendo um de longa. O próximo curta chama-se A Triste Figura, é um curta de horror sobre hipocrisia religiosa que devemos rodar em novembro, pela Olho de Vidro Produções, produtora que tem topado minhas loucuras e investido no cinema de terror na Bahia.

Entrevistas
https://www.cinehorror.com.br/entrevistas/entrevista-com-calebe-lopes?id=46
| 740 | 13/07/2018
Bate-papo entre os cineastas Lula Magalhães e Calebe Lopes
VEJA TAMBÉM

CINE HORROR entrevista: Maria Helena Mello, pesquisadora na área do cinema de terror.

Helena Mello é graduanda de Língua Inglesa na UFBA e pesquisadora na área do cinema de terror.

Desenvolvimento:
Design gráfico, sites e sistemas web.
Contate-nos!