A sétima arte transborda uma essência do real e imaginário. Os desejos, medos, verdades, fatos e fascínios humanos são expressos nas obras cinematográficos desde o seu início. O “mal”, por exemplo, sempre foi um fator de encantamento presente no cinema. Em O grande roubo do trem (1903), o diretor estadunidense Edwin S. Porter traz na sequência final uma cena que marcou a história das películas. Porter espantou o público ao colocar o vilão da história para atirar contra a câmera, estabelecendo o primeiro contato direto entre o espectador e o mal. Desde então, a "semente do mal" estava plantada no imaginário das pessoas e preparada para crescer e desabrochar num futuro não tão distante.
O cinema transformou-se ao longo do tempo e, atrelado a ele, a maneira como o mal era representado também mudou. Esse foi de bandidos do faroeste à arquinimigos de heróis, cientistas insanos, monstros folclóricos até chegar numa nova era. O mal passou a ser representado de maneira sedutora e identificativa. O marco dessa mudança é a grande obra de Alfred Hitchcock, Psicose (1960), que, por ser maneirista, trazia um mocinho impotente, dando espaço para que o vilão ganhasse todos os holofotes. A partir da aparição de Norman Bates, o público começou a se apegar, tentar compreender e até mesmo amar os representantes maléficos nas películas.
Na década de 1970, com consolidação dos slasher, a indústria do medo ganhou força total para focar nessa apreciação do mal. O sucesso das produções levou os estúdios a investirem em novas possibilidades para o universo criando a cultura das franquias. Os monstros e assassinos de qualquer subgênero de terror passaram a ter um tempo de tela maior e, consequentemente, foi oficializado o amor do espectador pelos vilões. Michael Myers, Freddy Krueger, Ghostface e Hannibal Lecter são alguns dos maiores exemplos de “malvados favoritos” do público.
Com direito a onze longas sobre Myers, doze sobre Jason e nove do Krueger – sendo que um dos filmes é um crossover entre A Hora do Pesadelo e Sexta-Feira 13 – o gênero viu suas bilheterias caírem gradativamente. A expansão dessas histórias se mostrou frágil, confusa e, na maior parte dos casos, mal elaborada. A produção de filmes com as personagens queridas deixou de ser o suficiente para manter os fãs do gênero satisfeitos. Dessa forma, as franquias, as quais pareciam ser a melhor coisa que já aconteceu com o gênero, tornaram-se seu maior mal.
Somente depois da estreia do primeiro filme da franquia Pânico, dirigida por Wes Craven, o universo do horror conseguiu retomar o seu lugar de destaque. O terror voltou a ter força e passou a produzir cada vez mais filmes com uma atenção voltada para suas novas possibilidades de subgêneros. Os horizontes foram verdadeiramente expandidos e novos nomes como James Wan contribuíram para fortificar essa nova fase. Fazer franquias, contudo, nunca deixou de ser uma realidade da indústria. O sucesso de bilheteria de um projeto diferente imediatamente acarreta na possibilidade da produção de continuações.
Desde a retomada do terror, o gênero tem vivido sucessos e falhas com a escolha de continuar a contar uma mesma história. As franquias Premonição, O Chamado, Jogos Mortais, O Grito, Atividade Paranormal, Cloverfield, Sobrenatural são exemplos de produções que começaram e continuaram por conta da sua inovação e criatividade, mas que, com o tempo, perderam a qualidade. A essência das produções é fortemente atacada com a extensão de sua narrativa. As possibilidades são levadas ao limite, a ponto de, em casos como Premonição 4 (2009), alcançarem o ridículo.
Existem outros casos, contudo, que parecem ter achado a fórmula para o sucesso. Invocação do Mal (2013) começou a sua caminhada na indústria como um filme solo que permitia diversas possibilidades de criação – sejam elas sequências ou spin-offs. O sucesso estrondoso do longa-metragem permitiu que a Warner Bros. investisse amplamente na expansão do universo do filme criando uma espécie de franquia ramificada de The Conjuring (título original), o qual funciona basicamente como o Universo Compartilhado Marvel. Hoje, o Conjuring Universe pode ser lido com uma composição de duas franquias estabelecidas (Invocação do Mal e Annabelle), uma em processo de consolidação e expansão (A Freira) e dois spin-offs que podem render continuações (A Maldição da Chorona e The Crooked Man, o qual ainda não tema data de estreia).
Apesar de representarem um universo em comum, a caminhada dos filmes foi diferente. The Conjuring tem uma trajetória linear e vitoriosa quando se pensa no sucesso de bilheteria e crítica. Por outro lado, a franquia Annabelle começou seu percurso com um longa cuja arrecadação foi boa, mas sem o mesmo resultado na recepção da crítica. O primeiro filme da franquia é tecnicamente previsível e infantil em suas escolhas narrativas. A construção da atmosfera carrega um certo desleixo quando comparada com Invocação do Mal. A sua sequência conseguiu, para alegria dos fãs, consertar os erros do antecessor e desenvolver o medo que envolve a personagem da boneca.
Quanto aos spin-offs, tanto A Freira (2018) como A Maldição da Chorona (2019) seguem um caminho semelhante ao do primeiro Annabelle. O roteiro é fraco e tem suas falhas, os momentos de maior tensão são quebrados por jump scare previsíveis e a entidade central da trama não tem sua história pregressa bem trabalhada. Esses últimos resultados abaixo da média deixam os fãs do Conjuring Universe preocupados com a próxima estreia.
Com a estreia do terceiro capítulo da história de Annabelle, os fãs de terror, desde o dia 26 do mês passado, puderam enfim vislumbrar o poder máximo da manifestação da boneca. O tão esperado confronto entre os Warren e todo o mal que há em sua casa chega aos cinemas como uma forma de expansão do Conjuring Universe. A possibilidade de ver as maiores figuras do universo de Invocação do Mal juntas é a própria Guerra Infinita do terror.
Annabelle 3: De Volta para Casa, dirigido e co-roteirizado por Gary Dauberman, dividiu a opinião do público. A clara utilidade do filme como divulgador de ideias futuras causou um certo incômodo em parte dos fãs. Já a outra parcela ficou satisfeita em ver novas histórias com potencial surgirem. Ao final da sessão, independente da tentativa de expansão e da aprovação ou não dessas novas narrativas, o longa-metragem se prova válido mediante a sua proposta. Annabelle Comes Home (título original) é mais uma experiência agradável de terror e merece a atenção dos apaixonados pelo universo.