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TOO OLD TO DIE YOUNG

Por: Dino Lucas Galeazzi

A história é mais ou menos a seguinte.


Martin Jones é um policial corrupto que vê seu colega Larry morto a tiros por Jesus, membro de um poderoso cartel mexicano ativo em Los Angeles. Ao estourar os miolos do agente, Jesus acredita ter cumprido sua vingança, isto é, eliminar o responsável pela morte da mãe, Magdalena.


Por sua vez, Martin, com o intuito de descobrir mais a respeito do assassino, encontra-se com Damian, chefe de uma gangue jamaicana pelo qual Larry trabalhava. Já que o falecido colega o havia responsabilizado pela morte de Magdalena, Martin, agora, está em dívida para com o Damian, tornando-se, assim, um assassino de aluguel. Levando a cabo um homicídio após o outro, nosso anti-herói vê sua carreira policial ascender, uma vez que é promovido ao cargo de detetive. Em paralelo, o relacionamento com Janey, uma colegial de 16 anos, torna-se cada vez mais sério, ao ponto que esta decide apresentá-lo ao pai, Theo, um renomado artista losangelino, que, desde o principio, revela suas tendências incestuosas para com a filha.


Enquanto isso, após buscar abrigo no México, sob a asa de seu tio, Don Ricardo, chefe do cartel mexicano, Jesus reforça seus laços de sangue com o primo, Miguel, e é através deste último que aprende a gerir o império do crime.  Com a morte de Don Ricardo, Miguel assume o comando, fazendo do hermanito Jesus seu braço direito, casando-o com a amante do pai, a belíssima Yaritza, e mandando o casal de volta para L.A., com o intuito de fortalecer o cartel em solo americano.


Ao mesmo que Jesus retorna aos EUA, Martin, investigando sobre o homicídio de um estuprador, entra em contato com Viggo, um ex-agente do FBI que, atualmente, trabalha como assassino de aluguel ao mando da misteriosa Diana, uma assistente psicológica de vítimas de crimes violentos. Eis que Martin encontra uma nova forma para aproveitar seu talento homicida: eliminar criminosos que a justiça americana fora incapaz de punir.



Peças postas em jogo e primeiros movimentos executados, ao público só resta assistir e esperar pelo xeque-mate. Mas o problema reside justamente nisso, no ato de esperar: o que Nicolas Winding Refn entrega ao espectador não se compara a nenhum dos produtos serializados ininterruptamente regurgitados pelas diversas plataformas de streaming em tempos recentes. TOTDY não é a primeira temporada de uma série, mas, sim, um filme de aproximadamente de 13 horas de duração dividido em 10 episódios, o primeiro volume de uma nova odisséia do crime.


Quem sofre de certa antipatia para com o cinema refniano pós-Drive sentirá a série como sendo, simplesmente, insuportável, pois aqui, os elementos característicos de sua mais recente filmografia são acionados constantemente, assim como, também, levados ao extremo. A câmera desliza por sobre superfícies polidas de latarias de carros reluzentes, analisa a sinuosidade de corpos imóveis, estuda a austeridade de quartos espartanos, suavemente iluminados, e, enfim, exibe os vestígios de cenas de crime, tudo mostrado num único movimento anônimo, numa lentidão asfixiante, para alguns até mesmo soporífera. A fotografia noturna é colorida pelo neon tipicamente californiano, saturando as imagens, pixelando os quadros. A soundtrack de Cliff Martinez torna o ambiente ainda mais insalubre, suas notas eletrônicas pontuando momentos que sucedem uma inesperada explosão de violência. Personagens como o Martin Jones de Miles Teller ou o Jesus de Augusto Aguilera, menos parecidos com os guerreiros silenciosos à la Mads Mikkelsen em Valhalla Rising (2009) ou à la Ryan Gosling em Drive (2011), estão mais próximos do vácuo existencial posto em cena pela Jesse de Elle Fanning em The Neon Demon (2016), sendo, talvez, uma evolução do Julian, o protagonista de Only God Forgives (2013), um fantoche movido por fios maternais, ou talvez por um cordão umbilical diretamente entranhado em Crystal, uma mater familias ditatorial com ecos da lady Macbeth shakespeariana, brilhantemente vivida por Kristin Scott Thomas. Em particular, no que diz respeito aos casos edípicos trazidos em cena por Refn, o oitavo episódio da série representa uma apoteose do tema, um verdadeiro e próprio esgotamento arquetípico. Ao passo que a história ruma a um inesperado desfecho, vemos diversos personagens trazendo à tona questões familiares irresolutas, como que expondo uma ausência de amor materno em suas vidas. Fatalmente, um criminoso abaixa a guarda ao ouvir de Martin Jones que sua mãe o está procurando. Sucessivamente, numa cena de rara ternura, vemos Martin deitar o colega Viggo na cama e, em seguida, instaurar um dialogo com a mãe deste último, que sofre de Alzheimer. Diante de uma arma apontada para seu rosto, Janey pergunta, num soluço: “Mãe?”.



Na abertura de Pusher II (2004), um personagem explica a outro a importância de se exorcizar um medo. Sua fala parece direcionada mais ao publico que ao seu ouvinte. Após termos acompanhado duas décadas de carreira, nos resta ainda alguma dúvida de qual seja o grande medo do diretor dinamarquês?


Em Bleeder (1999), a violência autodestrutiva de Leo é catalisada pela inesperada gravidez da namorada.  No primeiro capitulo da saga Pusher (1996), um momento anticlimático na incessante busca pelo dinheiro por parte do protagonista ocorre, não por acaso, quando o mesmo se vê obrigado a pedir toda a poupança da mãe, com a qual parece não ter contato há anos. No segundo capitulo, antes de encerrar sua jornada carregando o filho no colo, afastando-o, assim, da mãe prostituta, Tonny, o protagonista, é humilhado pelo pai, já que não conseguiu matar a ex-mulher do mesmo: não se trata de desobediência, mas, talvez, de dar ao meio-irmão a chance de viver ao lado da mãe. Em The Neon Demon (2016), em seu último monólogo, Jesse relembra, num tom sombrio, que a mãe a considerava uma garota perigosa. 


Mas lá onde a paixão edípica de Julian por Crystal, em Only God Forgives, concretizava-se nas entrelinhas, isto é, manifestava-se na sutileza de um gesto, como, por exemplo, no ato do filho pôr uma mão dentro do cadáver da mãe, através de um corte na barriga, quase a simbolizar um retorno ao útero materno, em Too Old To Die Young, Refn empurra o arquétipo ao seu limite, tornando-o absurdamente evidente. À Yaritza não basta vestir-se com as roupas que pertenceram à falecida Magdalena, ocupar seu quarto, dormir em sua cama, imitar suas falas e gestos. Para seduzir Jesus — talvez o personagem mais metrosexual de toda a história da sétima arte — ela usa e abusa de seus poderes mediúnicos, ao ponto do espírito de Magdalena agir por meio de seu corpo, convidando o filho a praticar-lhe sexo oral.



Portanto, além da lentidão atípica da série, o que incomoda o espectador médio é a insistência, por parte do diretor, em recorrer a um cinema excessivo, ou, para melhor dizer, a um cinema de excessos, aqui não mais limitado ao uso de uma violência gráfica (tida como) gratuita, mas entendido, também, como o pôr em cena uma série personagens absurdos, interligados por uma série de eventos que padecem de causalidade psicológica. Afinal, como não sentir-se incomodados pelo silêncio introspectivo de Martin Jones? Todos seus atos são imprevisíveis, inexplicáveis: em principio, se apresenta como policial corrupto; em seguida, mata por obrigação; enfim, torna-se um justiceiro. Nada disso é explicado. Ao matar a mãe de duas crianças, ele mesmo afirma não ter sentido nada, nenhuma emoção. E também, como decifrar os sorrisos de Yaritza? Nunca sabemos distinguir entre a maldade e a sensualidade. A interrogação permeia, inclusive, as cenas dominadas por uma personagem secundária como Janey: quando a amiga lhe pergunta por qual motivo namora Martin, uma dúvida que, certamente, atravessou a cabeça do espectador, a mesma responde, simplesmente, que gosta dele pelo fato do mesmo sempre respeitá-la, fazendo com que ela tenha um orgasmo antes dele completar o coito.


Uma explicação desse tipo, se assim podemos considerá-la, é, no pensar comum, algo inaceitável: um sentimento como o amor — que Janey declara sentir por Martin — ou até mesmo o afeto que um indivíduo pode sentir por outro, não pode se resumir ao prazer físico proporcionado pelo encontro entre esses dois corpos. A resposta da Janey nos incomoda, da mesma forma que nos incomoda o relacionamento entre Meursault e Marie em L’Étranger (1942): no romance de Albert Camus, o protagonista é de uma sinceridade absurda ao declarar que seus sentimentos pela parceira resumem-se ao gozo que o corpo desta lhe proporciona. Há inclusive um paralelo entre os dois relacionamentos: nas páginas de Camus, Meursault inicia uma relação sexual com Marie no dia seguinte ao enterro da mãe dele; na série de Refn, Martin transa com Janey, pela primeira vez, no capô da viatura logo após tê-la afastado do local em que a mãe da jovem cometeu suicídio.


Ao passo que os arquétipos são levados ao extremo, o espaço concedido aos personagens — e, por conseguinte, ao espectador — para abstrações metafísicas é reduzido ao mínimo. Nesse sentido, Too Old To Die Young é uma obra pós-moderna pelo fato de Refn ter investido em sensações espontâneas e emoções simples, em detrimento de um racionalismo já desgastado, sobretudo no que diz respeito ao cinema — ou aos seriados — de gênero.    


Outro arquétipo para o qual Refn demonstra certo interesse é o do simulacro.


Se a passagem do clássico para o moderno foi marcada por uma perda da inocência por parte do meio cinematográfico, este se demonstrando cada vez mais ciente de não poder captar o real, o real puro, e, sim, só uma imagem do real, isto é, uma impressão subjetiva deste último, então, a pós-modernidade anuncia um momento de total descrença para com a sétima arte: o mundo impresso, não mais em sais de prata, mas em mecanismos eletrônicos, está tão saturado por imagens, tão obcecado por suas simulações imagéticas, que a idéia de uma verdade epifânica ocasionada pelo cinema torna-se um conceito nostálgico, quando não ilusório.



Daí a exigência por parte de alguns cineastas de recorrerem à metalinguagem em trabalhos recentes, como no caso de David Lynch em Mulholland Dr. (2001), de Spike Jonze em Adaptation. (2002) e de Léos Carax em Holy Motors (2012), para citarmos alguns exemplos. Nos casos mencionados acima, a busca por um momento verdadeiro coincide com a desconstrução daqueles mecanismos que regem o cinema: respectivamente, trata-se, aqui, da encenação, da narração fílmica e da captação das imagens.


No sétimo episódio de TOTDY, o pai de Janey, Theo, põe Martin à prova, despertando-o de um sono tranqüilo e levando-o para sua sala de cinema particular, onde exibe, na tela, uma cena de extorsão idêntica à que o público assistiu logo no principio da série: dois policiais, aqui alter egos do protagonista e de seu falecido parceiro, Larry, após pararem o carro de uma modelo, Mona, exigem da mesma uma performance sexual. Na realidade diegética, à jovem, que nos foi apresentada com o nome de Donna, foi dada a chance de não ser estuprada em troca de todo o dinheiro que guardava na carteira. Na segunda versão da mesma cena, num jogo metalingüístico, os agentes não oferecem à Mona nenhuma alternativa, deixando subentendido que irão violentá-la.


Martin resta impassível, como se não percebesse a semelhança entre a ficção e a realidade, ou como se a mesma não o abalasse minimamente. Por sua vez, Theo contribui para tornar a situação ainda mais absurda, até mesmo constrangedora, ao afirmar que, não fosse pelo fato de ser sua filha, transaria com Janey, chegando ao ponto de masturbar-se na presença do rival. Eis que, finalmente, temos a primeira e única reação emotiva por parte do protagonista: ao matar Theo, Martin condensa numa única expressão sentimentos facilmente reconhecíveis, como rancor, nojo, desprezo. Todavia, Refn compõe a cena com um quê de surreal, tornando o gesto quase onírico: no campo, a luz do projetor circunscreve o rosto do personagem, carregando-o de uma conotação positiva, mas em seguida, no contracampo, o esvazia de qualquer significação, uma vez que vemos Martin cometer o assassinato diante de uma tela branca, vazia.


TOTDY sustenta-se em contradições, em forças antagônicas.


O abuso sexual sofrido por Mona é decupado como um episodio de Law & Order, com cortes rápidos e enquadramentos tão previsíveis quanto agradáveis.


Já o assedio vivenciado por Donna é mostrado nos mínimos detalhes, dissecado por uma direção minimalista, esmiuçado quadro a quadro num pacing hipnótico, uma cena dilatada em oito minutos de humilhação e suspense, contra os três minutos e meio de sua versão pop, a que foi montada pela equipe de Theo, com o abuso de poder por parte da polícia transformado em um alegórico estupro ipso facto.



Por meio de uma única seqüência, Refn nos mostra que o cinema não existe para exemplificar, ou pior, explicar a realidade. Posto que o real é inapreensível — e que o ser humano que o habita é, em ultima análise, inacessível —, ao cineasta cabe o dever de torná-lo mais intenso e, por quê não?, mais alucinante.


Portanto, não há do que se surpreender se, ao invés de uma crítica social supostamente realista, sustentada por um conjunto de personagens secundários — cuja única função narrativa os reduz a meros obstáculos na jornada do protagonista —, Refn e Ed Brubaker, o co-roteirista, recorrem a uma sátira buñueliana, transformando a estação de polícia de Los Angeles num teatro grotesco. Inexiste, aqui, um fio de ironia que permeia a trama, pois se preferiu expor a ineficácia da justiça norte-americana de forma totalmente escancarada: quando não está incentivando a ideologia fascista, o chefe de Martin Jones reúne os demais detetives para encenar a paixão de Cristo.


Algo parecido é feito com Diana, uma personagem tão absurda quanto comum na hodierna sociedade ocidental. Sua entrada em cena é quase sempre anunciada por um tinido melódico, como que produzido por um sino de vento extradiegético. Ela mescla o misticismo oriental tipicamente losangelino a uma visão da justiça reacionária tipicamente republicana: o resultado disso é um indivíduo diametralmente oposto ao de Yaritza, mas igualmente truculento.


Da mesma forma, a personagens caricatos como o Clint Eastwood de Dirty Harry (1971), o Sylvester Stallone de Cobra (1986) ou o Wagner Moura de Tropa de Elite (2007), Refn opta por um punhado de figuras ausentes e vácuas, como a do detetive Martin Jones. Não se trata aqui de pôr em cena um macho alfa rápido e letal no gatilho, óbvia representação de uma pulsão de morte masculina reprimida, cujas ações são ditadas em prol de uma ordem sistêmica que sofreu um abalo por conta de algum antagonista. O cenário pós-moderno impõe uma dissolução da identidade pessoal fixa. No caso de TOTDY, a subjetividade dos personagens principais é estilhaçada, sendo constantemente susceptível a rearranjos por parte das luzes, das cores, dos sons e das arquiteturas do espaço circunstante. Flutuações do neon e da sonoplastia urbana, que constantemente emanam da metrópole, impregnam gestos dos personagens, não se limitando a determinar o mood de uma cena, mas chegando ao ponto de guiar ações de uma inteira seqüência.



A tal propósito, vale a pena lembrar o sexto episódio. Em particular, os momentos em que Damian e seus capangas estão dançando, ou melhor, entrando num ritmo de uma música jamaicana: a psicodelia da cena, ausente do ponto de vista narrativo — pois não nos é explicada, mas, simplesmente, mostrada — encontra sua raison d’être exclusivamente no jogo de luzes: tons de amarelo, verde, laranja e magenta, dentre outros, sucedem-se, projetando-se por sobre os corpos dos criminosos, sendo que os enquadramentos nunca nos revelam a fonte destas cores.


Seguindo essa lógica no decorrer de toda série, um vermelho saturado guia a fúria de um personagem num gesto de violência, enquanto um azul elétrico faz com que um casal compartilhe a própria tristeza, lá onde um rosa-choque anuncia a morte de alguém.


Todavia, o talento de Refn não se esgota na reciclagem da teoria das cores. Em seu último trabalho, o dinamarquês opera uma verdadeira e própria inversão no uso costumeiro da mise-en-scène. De fato, segundo uma visão clássica da encenação, os diversos elementos que compõem o enquadramento são pensados a partir da presença e dos movimentos dos atores em cena, a trajetória e a psique do herói determinando a composição do quadro e a decupagem da película. Em TOTDY procede-se em contracorrente: gradações luminosas e variações sonoras precedem a subjetividade de qualquer personagem, a mesma sendo determinada a posteriori. O cenário impregna os corpos, desvendando a porosidade dos indivíduos, enquanto deixa de ser um apêndice das emoções humanas.


Presenciamos, então, uma evolução do gênero.


Consideremos The Third Man (1949) de Carol Reed, o suprassumo do noir. O chiaroscuro do filme, seu jogo de luzes e sombras, reflete o embate moral que atormenta Holly Martins, o protagonista de sobretudo encarregado de resolver um mistério envolvendo um amigo do passado, Harry Lime. O uso recorrente dos ângulos holandeses, mais que denunciar a situação de anomia da Viena do pós-guerra, expõe a fragilidade do herói, sua ética sendo testada, posta na corda bamba: por um lado a honra e a amizade, pelo outro o dever e a Lei, mas com uma única certeza diante de si, isto é, a queda. No clímax do filme, o gigantesco personagem de Orson Welles é encurralado pela polícia, a silueta do corpo sendo cercada por um feixe de luz ofuscante, provindo do fim do túnel. O bem contra o mal, o branco e o preto. Um símbolo em excesso traduz-se numa justiça truculenta, rápida e eficaz.


27 anos depois, Martin Scorsese dirige Taxi Driver (1976). O neo-noir revisita os tropos do noir. O que é posto em dúvida não é mais a moral do indivíduo, mas, sim, sua identidade. Travis Bickle, nosso anti-herói, percorre ruas nova-iorquinas dentro de seu táxi, um caixão de metal amarelo que atravessa, silencioso, as veias de asfalto da cidade. Com bueiros emanando nuvens de enxofre e com calçadas abarrotadas por “prostitutas, sodomitas, drag queens, gays, maconheiros, viciados, insanos e corruptos”, Nova York mais se parece com um cenário sombrio criado por um expressionista alemão: não à toa, luzes e sons emanam de algum recanto da mente distorcida de Travis. A mise-en-scène é construída a partir do protagonista. Assim, quando ele se afasta com o amigo Wizard para tratar dos pensamentos que o atormentam, a luz que os banha é vermelha como o sangue. Uma gangue passa pelos dois taxistas e o olhar de Travis trai um sentimento de violência, uma vontade de morte.



Há, então, um pulo de mais de quarenta anos. No último episódio de Too Old To Die Young (2019), não só os gestos como as reações físicas de Diana são precedidas por mudanças de cores no ambiente. Há um fade to que nos introduz à cena. No enquadramento surge Diana, de joelhos no colchão da cama, de costas para o público, vestindo um roupão de seda e utilizando um par de óculos VR. A câmera resta imóvel por três minutos, durante os quais ouvimos unicamente uma voz robótica feminina que descreve os procedimentos necessários para execução de uma masturbação prazerosa por parte da espectadora. Tais ordens, ditadas de forma mecânica, entrelaçam-se às respirações cada vez mais aceleradas da personagem, que, no final da seqüência, alcança o orgasmo. Assim como no caso do som, a origem do feixe luminoso que permeia o quarto é desconhecida. No principio, Diana escuta as instruções. A luz é de um azul aço. Ao passo que Diana aumenta a pressão no clitóris, a tonalidade muda, quase que imperceptivelmente, para rosa e, em seguida, antes de atingir o clímax, para o roxo. Entre o segundo e o terceiro minuto da cena, quando as contrações e o prazer vão diminuindo, o feixe tinge-se de um azul cinzento, para, enfim, retornar ao tom elétrico típico da série, enquanto o corpo da personagem derrama-se por sobre a cama.


Com Refn, a iluminação do cenário não é mais projeção de interioridade das personagens, sendo, ao contrário, esta última um efeito das cores. O vazio ostentado pelo punhado dos protagonistas da série é, portanto, menos uma incoerência do roteiro, e mais um artifício da diégese. Martin, Janey, Viggo, Diana, Jesus e Yaritza não moldam a mise-en-scène: pelo contrário, são moldados por ela, pela ambiência que os circunscreve. Não surpreende, então, que o maneirismo refniano manifesta-se num jogo de oposições, podendo, assim, desembocar num estilo quase bressoniano, como no caso das atuações reduzidas a uma expressividade nula no rosto dos atores, ou alcançar a exacerbação técnica, como ocorre, por exemplo, no quinto episódio, numa formidável — e incompreendida — seqüência de perseguição de carro. Neste último caso, o diretor usa e abusa de um fetichismo nostálgico, nos brindando com um par de personagens que rompem a tensão da cena por meio de uma briga idiota, os dois lutando para estabelecer qual música deixar tocar no rádio, estabelecendo, assim, o mood do momento: enfim, o soft rock melódico de Barry Manilow prevalece ao ritmo pop do dinamarquês Tommy Seebach. Simplesmente genial.


Too Old To Die Young é ruptura, é pós-modernidade... é neon-noir. E por muito tempo será alvo de críticas negativas por parte de um público totalmente despreparado, o espectador médio, 100% serializado, o maratonista da Netflix, o nerd do Universo Marvel ansioso pela fase quatro.


Em seu perfil Instagram, quando a série estava em pré-produção, Refn deixou clara sua intenção: Dear friends, I’m making TV great again. Para mim, o objetivo foi mais do que alcançado.                     


  

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| 3892 | 03/08/2019
Too Old To Die Young é ruptura, é pós-modernidade... é neon-noir. E por muito tempo será alvo de críticas negativas por parte de um público totalmente despreparado, o espectador médio, 100% serializado, o maratonista da Netflix, o nerd do Universo Marvel ansioso pela fase quatro.
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