AOS PEDAÇOS

AOS PEDAÇOS | Brasil | 2025
Direção: Ruy Guerra
Roteiro: Ruy Guerra e Luciana Mazzotti
Duração: 93 minutos
Elenco: Emilio de Mello, Simone Spoladore, Christiana Ubach, Julio Adrião
Sinopse: Eurico Cruz amanhece irritado. Sabe que algo está por acontecer. Eurico vive de viagem entre casas idênticas, uma construída no deserto, outra numa praia tropical. Em cada casa, vive uma de suas esposas, Ana e Anna. Nesse labirinto de espaços iguais recebe a perturbadora visita de Eleno. Um bilhete, assinado por um A., lhe anuncia sua morte. Quem o ameaça? Embaralham-se os espaços, as personagens, suas paixões extremas, seus ódios, amores e suspeitas.

-----

Ruy Guerra, um dos nossos nomes do Cinema Novo, retorna às telonas com Aos Pedaços, um filme que desafia as convenções narrativas e estéticas do cinema contemporâneo. Em uma obra minimalista, o diretor concentra-se na força das interpretações, que beiram o teleteatro, e nos elementos artísticos que compõem a atmosfera visceral da trama, como a trilha sonora e a fotografia.

Eurico Cruz (Emílio de Mello) é um homem que vive uma história de bigamia, dividindo-se entre o amor de Ana (Simone Spoladore) e Anna (Christiana Ubach). O thriller psicológico é conduzido pela voz potente de Arnaldo Antunes, que narra a história de forma envolvente, desenvolvendo-se como a voz do inconsciente de Eurico, prendendo completamente a atenção do espectador na trama.

A estética escolhida por Ruy Guerra, por vezes, pode parecer incomum para os padrões atuais, o que transporta o público para um universo denso e claustrofóbico, onde os conflitos internos dos personagens são expostos sem pudor. A carta misteriosa que Eurico recebe, anunciando sua morte e assinada com um enigmático "A", desencadeia uma espiral de paranoia e desconfiança. Afinal, como diz uma das suas esposas, "qualquer mulher tem motivos de sobra para matar o marido".

A atmosfera opressiva do filme é reforçada pela dança de luz e sombras, onde a escuridão predominante reflete a angústia dos personagens. No entanto, lampejos de luz surgem como raios de esperança, revelando novas perspectivas e a possibilidade de redenção através da possibilidade de viver-se a verdade.

A teatralidade da encenação, com a quebra da quarta parede, aproxima o espectador da intimidade dos personagens, mas também o choca com a crueza de seus dilemas existenciais. Aos Pedaços é um filme sobre escolhas, amor e crenças, que nos convida a refletir sobre a fragilidade da existência humana e o peso das decisões que tomamos.

Apesar de alguns momentos de lentidão, com monólogos e crises existenciais que podem cansar o espectador, a obra de Ruy Guerra é catártica e merece ser apreciada com calma e sensibilidade. Aos Pedaços é um filme que fica na memória, que nos faz questionar nossas próprias escolhas e que nos mostra como a vida pode ser sufocante e, ao mesmo tempo, bela em sua complexidade.

Por fim, compartilho com vocês uma questão que me acompanhou durante todo o filme. Em Aos Pedaços, a bigamia de Eurico é literal ou devemos interpretar as duas Anas como representações metafóricas das diferentes facetas de uma mesma mulher, ou ainda, como projeções dos desejos e intenções conflitantes que coexistem em um relacionamento a longo prazo?