The Batman, 2022, EUA.
Dir: Matt Reeves
Roteiro: Matt Reeves, Peter Craig.
Elenco: Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Paul Dano, Jeffrey Wright, John Turturro, Peter Sarsgaard, Andy Serkis, Colin Farrell, Rupert Penry-Jones, Alex Ferns, Jayme Lawson.
Duração: 175 min.
Sinopse: Batman segue o segundo ano de Bruce Wayne (Robert Pattinson) como o herói de Gotham. Com apenas alguns aliados de confiança – Alfred Pennyworth (Andy Serkis) e o tenente James Gordon (Jeffrey Wright) – entre a rede corrupta de funcionários e figuras importantes da cidade, o vigilante solitário se estabeleceu como a personificação da vingança.
Desde que foi criado em 1939, por Bob Kane e Bill Finger, Batman teve várias adaptações para o cinema, primeiramente em forma de seriado de matinês, depois o filme com o elenco da série de TV, e finalmente filmes realmente feitos para a grande tela, com o filme dirigido por Tim Burton, em 1989, ano em que o personagem fez 50 anos desde seu surgimento na revista Detective Comics 27. Entre altos e baixos, o personagem teve diversas facetas no cinema, tendo seus pontos mais baixos com os filmes dirigidos por Joel Schumacher, e com a trilogia dos filmes de Christopher Nolan devolvendo a dignidade ao personagem. Sua penúltima encarnação foi a versão equivocada nos filmes de Zack Snyder, um diretor que parecia não entender a essência dos personagens da DC, se preocupando mais com a estética visual. O Batman de Ben Affleck esteve nos planos da Warner de ter um filme lançado, até que foi deixado de lado e substituído pelo projeto de Matt Reeves. A produção original seria escrita e dirigida pelo próprio Affleck, que logo abandonou o papel. Matt Reeves descartou a trama de Affleck e preferiu ambientar o novo filme no início da carreira do combatente do crime.
“Batman”, dirigido por Matt Reeves, traz o cavaleiro das trevas destacando uma característica que foi bem pouco, ou quase nada, aproveitada nas adaptações para o cinema: o detetive! Matt Reeves explora essa faceta, trazendo para os cinemas, um filme com elementos de um noir policial. Um filme sombrio que remete a películas onde o tema central é a luta contra um serial killer. Desde o primeiro trailer, lançado quando apenas 30% estavam filmados, que os elementos mostrados remetiam a filmes como Se7en (1995), de David Fincher, e Ressurreição (1999), de Russel Mulcahy, trazendo uma atmosfera pesada e realista. Reeves foca em trazer para as telas um filme investigativo, onde não há uma urgência em mostrar tudo imediatamente na tela, fazendo com que o público acompanhe o raciocínio do personagem principal e de seus aliados. Em alguns momentos soa meio didático, mas nada do exagero que acontece nos filmes do Nolan.
É um filme, denso, lento, mas que cativa a atenção de forma que as quase 3 horas de exibição passam sem soar cansativas, cativando a atenção do espectador de tal forma que ao final de tudo desejamos ver mais daquele universo. A trama é focada em descobrir os planos do Charada, a motivação por trás de seus atos, os mirabolantes assassinatos e sua relação com a máfia e toda a sociedade corrupta de Gotham.
O elenco está impecável. O destaque, logicamente, vai para Robert Pattison, que foi duramente criticado por conta de seu passado cinematográfico, mas que vem se destacando em papéis sempre densos, com personagens amargurados, com cicatrizes tanto físicas quanto mentais, que casam perfeitamente com o seu Batman/Bruce Wayne. Diversas vezes, suas emoções (ou falta delas), dores, sua solidão e dúvidas, são mostradas através de seu olhar, ainda mais passando a maior parte do filme mascarado. O seu Batman se move de forma lenta e calculada, excetuando as ótimas cenas de ação, com lutas bem coreografadas (ponto fraco dos filmes no Nolan) e soam bem realistas (diferente do que o Snyder fez no malfadado BVS). Seu Batman não é infalível, tem atitudes quase suicidas em alguns momentos. Seu Bruce Wayne é uma figura amargurada, depressiva. Após dois anos de atividade como uma criatura noturna, ele sente que as coisas em Gotham estão indo por água abaixo. Sua guerra contra o crime, sua vingança, não tem surtido efeito. O filme conta a sua jornada de um personagem sem esperanças, um espectro vingativo que aos poucos percebe que o caminho não é através da vingança pura, mas sim através da justiça, trazendo alento para a população.
Zoë Kravitz, como Selina Kyle, a Mulher Gato, traz o conflito emotivo para o filme, suas motivações vão sendo reveladas com o tempo, mas também tem um pé na vingança. Personagem forte e capaz de cuidar dela mesma, a sua relação com o homem morcego é carregada de tensão sexual e tiram o detetive de sua zona de conforto. Paul Dano traz no seu Charada, uma versão nunca vista antes, bebendo da fonte de serial killers, mas especificamente no Assassino Zodiaco, que já teve um filme contando sua historia dirigido pelo David Fincher em 2007. Seu visual, assim como suas mensagens, códigos e símbolos bebem diretamente do serial killer que aterrorizou a Califórnia no final dos anos 1960 e inicio dos anos 1970. Jeffrey Wright traz a melhor versão do James Gordon, aqui ainda como detetive. Único policial não corrupto de Gotham, ele recebe a confiança do vigilante, ao mesmo tempo em que ele confia em Batman. Ainda temos John Turturro como o mafioso Carmine Falcone, que conduz de seu bunker a vida da cidade e seus policiais, políticos e membros da alta sociedade, todos envolvidos em corrupção. Seu assecla mais proeminente é o Pinguim, interpretado por um irreconhecível Colin Farrell, que em diversos momentos age como um alívio cômico no filme. E não podemos deixar de citar Andy Serkis, que embora com pouco tempo em tela, traz uma versão do Alfred bem diferente da conhecida do grande público, mas especificamente focando no personagem da série Batman: Terra Um, de Geoff Johns e Gary Frank. Outras HQs que influenciaram o roteiro de forma visível foram O Longo Dia das Bruxas, Vitória Sombria, Batman Ano Zero e Batman Ego.
A Gotham mostrada na tela é outro grande acerto, com sua atmosfera opressiva, escura e que indica a falta de esperança. Uma cidade onde o inferno aflorou. O mais próximo disso foi a cidade projetada e construída pelo falecido Anton Furst nos filmes de Tim Burton, em especial no primeiro filme. Outro dos grandes elementos do filme é a ótima trilha sonora, composta e conduzida por Michael Giacchino. Em diversos momentos ela ajuda na condução da trama, com passagens que deixam o espectador tenso e apreensivo. Na espetacular cena de perseguição, onde o ótimo Batmóvel dispara por uma rodovia movimentada com uma chuva torrencial caindo, ela dita os momentos de tensão. Após o carro do Pinguim capotar, a sensação que temos, pelo ângulo de visão que se mostra na tela é de um filme western, onde o Batman anda em direção ao inimigo caindo, onde a cada passo, ouve-se um tilintar metálico, semelhante a esporas em uma bota.
O filme amarra praticamente todas as pontas em seu final, a mudança do personagem principal em sua jornada de autodescobrimento, mas deixa algumas pistas para uma futura (e esperada) sequência. Matt Reeves entrega um filme policial épico, tenso e melancólico, apresentando a melhor representação Batman no cinema. Se “Batman” pode vir a se tornar um clássico, só o tempo (e os fãs) poderá dizer, mas é, com certeza um dos melhores filmes baseados em quadrinhos já feito.
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