Quando os primeiros acordes de “(I Don’t Wanna Be Buried in a) Pet Sematary” ressoam nas caixas, sobem os créditos de uma das adaptações cinematográficas mais marcantes e populares da obra de Stephen King. Assim como a música dos Ramones, O Cemitério Maldito (Pet Sematary, 1989) se eternizou nas décadas seguintes entre defensores e detratores, como uma vitória ganha com acertos magníficos em meio às falhas.
A diretora Mary Lambert soube injetar um apelo comercial ao material, entre uma estética que anunciava o início dos anos 90 e uma sincera homenagem à iluminação, ângulos de câmera e mesmo a dramatização piegas de A Noite dos Mortos Vivos (George Romero, 1969). A diretora não vinha do cinema, mas da indústria da música – detentora do sucesso massivo por trás de muitos videoclipes de Janet Jackson, Madonna, Chris Isaak, Rod Stewart, Sting e Eurythmics. Com esse viés, alcançou abrangência de publico para o filme e gravou a imagem de Gage Creed (interpretado pelo ator mirim Miko Hughes) na história da cultura pop. Para equilibrar a balança, o filme contou com a mão do próprio Stephen King no roteiro (ele ainda faz uma aparição como ator, no papel de um padre).
O Cemitério Maldito conta a história da família Creed, que se muda para uma região bucólica do Maine, onde o médico Louis Creed (Dale Midkiff) pretende criar raízes com sua esposa e seus dois filhos. Ao atender uma vítima de atropelamento no primeiro dia de trabalho, Louis sonha com o fantasma do rapaz. O espírito indica que não se deve ultrapassar a barreira que separa o cemitério de animais, que existe na floresta ao lado, de um antigo terreno dos índios MicMacs. Tudo que é enterrado ali retorna, porém não da mesma forma. Observamos, a partir daí, a luta de um homem para manter sua família unida enquanto a morte começa a rondar – mesmo que isso exija ultrapassar a barreira que separa os vivos dos mortos.
A temática do filme é adulta e bem explorada por King. A morte e a fragilidade humana são os assuntos da vez: o que somos, para onde vamos e porque não voltamos. Ainda, como uma revisão moderna de Frankenstein, a obsessão de Louis Creed não está na criação da vida mas na manutenção da mesma, principalmente dos laços familiares. Creed é incapaz de se desapegar da existência física e dos entes queridos – e é justamente a partir de seus questionamentos que, tal qual na obra de Mary Shelley, se desencadeia uma situação descontrolada. Também Rachel Creed (Denise Crosby) possui seus impasses com a morte, e o roteiro chega a questionar, através da personagem, sentimentos dúbios de dor e alívio perante uma perda. No entanto, os diálogos são excessivamente dramáticos. A forte referencia visual dos filmes de George Romero (que tinha sido escalado inicialmente para a direção) e a carga teatral dos atores contribui para o clima kitsch do resultado geral. Existe seriedade no cerne da obra, e existe um conteúdo bem estruturado nos diálogos; é o formato que gera as controvérsias da crítica geral.
Ao optar por um caminho pautado em clássicos de outras décadas, Mary Lambert acaba criando um filme facilmente ancorado em uma linguagem conhecida pelos fãs. É quando vem à tona imagens que referenciam (e reverenciam) diretamente A Noite dos Mortos Vivos e A Noiva de Frankenstein (James Whale, 1935) que é alcançada a imortalidade da obra – e o filme acaba inserido no contexto de outras eras da Paramount, contrariando toda a base moderna de uma diretora de videoclipes oitentistas. Ainda, o filme conta com os elementos bem explorados de um gótico moderno presente no cerne da obra de Stephen King. A grandiosidade sutil perpassa um caminhão que atravessa a estrada religiosamente ao longo da projeção, como uma presença sombria e um presságio, indo e voltando tal qual o ciclo interminável da vida; temos o cenário primoroso do cemitério e da floresta do Maine, um presente atemporal para a ambientação da história; também a célebre maquiagem do fantasma de Victor Pascow (Brad Greenquist) pelas mãos de Dave LeRoy Anderson e Lance Anderson, e ainda uma atuação confiante de Fred Gwynne em meio ao mar de drama exacerbado.
De ponta a ponta, O Cemitério Maldito é uma história que agrega elementos diversos do horror em uma obra única, através da técnica narrativa de Stephen King, entre flashbacks e pequenos contos que deixam muito à imaginação dos leitores. Nas telas assistimos a uma adaptação que, apesar de prejudicada em alguns aspectos, consegue o efeito de ser inesquecível, alçada ao culto dos fãs – frágil, mas nunca irrelevante.
Saul Mendez para o GoreBahia, 25/08/2017.
Robert Rodriguez e James Cameron apresentam uma ótima adaptação com ação empolgante e visual impecável.