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O PLANETA DOS VAMPIROS

Por: Dino Lucas Galeazzi

Planeta dos Vampiros (Terrore nello spazio, Itália/Espanha, 1965)
Direção: Mario Bava
Roteiro: Mario Bava, Alberto Bevilacqua, Callisto Cosulich, Antonio Romano e Rafael J. Salvia, baseado no conto de ficção científica, “One Night of 21 Hours”, de Renato Pestriniero.
Produção: Samuel Z. Arkoff, Salvatore Billitteri, Fulvio Lucisano e James H. Nicholson
Elenco: Barry Sullivan, Norma Bengell, Ángel Aranda e Evi Marandi
Duração: 89 minutos


Sinopse - Em um futuro não muito distante, uma missão de investigação de um misterioso planeta chamado Aura, lança duas naves no espaço, Argos e Galliot. Ao chegarem na superfície do planeta desconhecido, a tripulação começa a lutar uns contra os outros sem entenderem motivo. Os impulsos agressivos passam e eles decidem procurar pela nave Galliot. Porém, quando a encontram, descobrem que toda a tripulação morreu lutando entre si. Eles descobrem que o estranho planeta é habitado por seres alienígenas sedentos por sangue, que desejam fugir do seu mundo.



As raízes do terror estão fincadas no solo do romance gótico.


Tanto os grandes diretores pertencentes ao expressionismo alemão da década de ‘20, bem como os realizadores mais recentes da Hammer Film Productions, o lendário estúdio cinematográfico britânico, para citar dois exemplos, deixaram isto claro ao terem trazido para as telonas do cinema películas que moldaram o gênero de terror, todas elas devedoras de algo pertencente à literatura gótica.   


Além dos castelos derrocados, dos mosteiros tenebrosos e dos cemitérios visitados por fantasmas, o que acomuna os principais romances góticos é a junção do horror aos elementos embrionários da ficção científica: em “O médico e o monstro” do Robert Louis Stevenson, temos uma figura que se tornaria típica dos clássicos SciFi, isto é, o cientista que utiliza a si mesmo como cobaia para suas experiências de laboratório; no “Frankenstein” da Mary Shelley, mais importante que o protagonista, outro médico ensandecido, é o resultado de suas experiências, uma criatura que foge do controle, que se revolta contra o próprio criador, prenunciando o hoje tão caro mito do ciborgue; e, por último, há o Van Helsing, professor universitário experto em ocultismo, que utiliza-se tanto do sobrenatural como da ciência para derrotar seu inimigo, o Drácula, no célebre romance homônimo de Bram Stoker.




E “O Planeta dos Vampiros” (Terrore nello Spazio, 1965) se insere, justamente, no limiar entre o horror e a ficção científica, na conjunção entre estes dois gêneros: até mesmo o diretor do filme, Mario Bava, nunca se referiu a este como sendo um mero SciFi, mas, sim, como a um filme fantástico de ciência e terror.


Após “A Maldição do Demônio” (La maschera del demonio, 1960), segundo terror gótico italiano – precedido exclusivamente por “Os Vampiros” (I vampiri, 1957) de Riccardo Freda, Bava deu continuidade às incursões no mundo do macabro, dirigindo películas que se tornariam seminais para inúmeros subgêneros cinematográficos, haja exemplo de “Olhos Diabólicos” (La Ragazza che Sapeva Troppo, 1963), que teria inaugurado o spaghetti thriller – mais conhecido como giallo, e de “Seis Mulheres para o Assassino” (Sei donne per l’assassino, 1964) – precursor dos filmes slasher, cuja herança teria feito maior sucesso na década de ’80 em solo americano.



Portanto, quando em 1965 lhe é oferecida a possibilidade de adaptar o conto “Uma Noite de 21 Horas” de Renato Pastriniero, Mario Bava retorna a fazer o lhe é natural: inovar. De fato, apesar de “Caltiki, o Monstro Imortal” (Caltiki il mostro immortale, 1959) ser o primeiro Spaghetti SciFi, “O Planeta dos Vampiros” alcança o status de filme cult por uma razão ainda mais nobre, pois trata-se da primeira ficção científica gótica.    


Os membros de uma família amaldiçoada foram substituídos por uma dúzia de astronautas intergalácticos, vestidos com trajes espaciais em pele à la mode ao invés do típico figurino medieval; a sublime vastidão de paisagens de recantos desconhecidos e inexplorados pela civilização alcança, aqui, seu ápice, já que estamos num planeta inóspito, distante anos luzes do sistema solar; o sentimento de morte, presença sutil mas constante nas páginas de escritores como Poe e Le Fanu, reencarna-se não mais sob as formas usadas e abusadas de um fantasma ou de outra entidade oculta, preferindo a estas um novo topos da ficção científica, isto é, o parasita alienígena.    



Na pretensão de seguir a onda de sucessos internacionais como “O Monstro do Ártico” (The Thing from Another World, 1951) do Howard Hawks e de “Vampiros de Almas” (Invasion of the Body Snatchers, 1956) do Don Siegel, a Italian International Film de Fulvio Lucisano aposta um budget ridículo de 200.000 dólares em Mario Bava, famoso, desde o princípio da carreira, por conseguir extrair o melhor até mesmo das piores produções. Em particular, é em “O Planeta dos Vampiros” que percebemos como a destreza do diretor de Sanremo por trás das câmeras só não é maior que sua inventividade para criar efeitos cênicos tão eficazes quanto extraordinários: já que a técnica do matte painting era inviável por ser cara demais, eis que Bava corria atrás de glass shots – imagens coladas em vidros postos diante da lente – e do efeito Schüfftan – um espelho posto transversalmente à câmera para transformar as miniaturas em cenários gigantescos, um artifício utilizado em produções mais antigas, como em “Metropolis” (idem, 1927) do Lang ou em “O Mágico de Oz” (The Wizard of Oz, 1939) do Flaming, entregando ao público imagens críveis de um planeta distante, e não as de um pequeno estúdio de Cinecittà espartanamente decorado por Giorgio Giovannini, o mesmo decorador dos filmes de Federico Fellini.


No documentário “Mario Bava: Operazione Paura” (idem, 2004), o jornalista Luigi Cozzi lembra como Bava teve que filmar uma polenta em ebulição dentro de uma panela iluminada por luz vermelha, uma estratégia funcional para o inferno em “Hércules no Centro da Terra” (Ercole al centro della terra, 1961) e para o rio de magma em “O Planeta dos Vampiros”.



Como para “A Maldição do Demônio”, Bava teve que se virar e revirar com a pobreza de elementos no set de filmagem, reaproveitando um mesmo cenário para diversas cenas, mudando ângulos e iluminação, sublimando enormes quantidades de gelo seco para introduzir a tão querida neblina, um must para qualquer produção gótica.


Involuntariamente ou não, a repetição de espaços e de geometrias da cenografia coincidiu com a recorrência de gestos e situações do roteiro, traduzindo em metáforas imagéticas o medo da homogeneidade do pensamento, da aniquilação do espírito individual, um terror social projetado nos americanos a partir da grande ameaça que era então a União Soviética, o temível Unheimliche (o Estranho) freudiano, percebido como um estado distópico esmagador e uniformizante.     


Em “O Planeta dos Vampiros”, dois navios interplanetários, durante uma viagem de exploração, recebem um sinal vindo de Aura, um planeta desconhecido e desabitado. A tripulação de ambos os navios, o Galliot e o Argos, durante a fase de aterrissagem, por conta de um problema gravitacional, desmaia – com exceção do comandante da Argos – para, em seguida, despertar num estado de violência hipnótica. Aquietados pelo capitão Markary, os demais membros da Argos seguem em direção à nave gemia, a qual não teve a mesma sorte: a força misteriosa levou a equipe da Galliot a cometer um massacre suicida.



A partir de então, a direção do Mario Bava, limitada exclusivamente do ponto de vista econômico, e o roteiro de Alberto Bevilacqua e Callisto Cosulich, encurtado por motivos financeiros pela IIF, trabalham em sincronia para pôr um acento macabro em tudo aquilo que é reincidente, repetitivo: o sepultamento dos colegas da Galliot prenuncia o destino trágico dos sobreviventes da Argos; o retorno, ou melhor dizendo, o ressurgimento dos mortos, permite ao diretor de brincar com uma suspense hitchcockiana, uma vez que o público sabe algo terrível que os demais astronautas ainda irão descobrir; de forma similar, a espaçonave advinda de outra galáxia, com o esqueleto de alienígenas gigantescos modelado pelo próprio Carlo Rambaldi, como se fosse uma relíquia parcialmente enterrada no desértico cemitério do planeta Aura, já nos antecipa o terrível desfecho do filme.


Novamente, retornemos ao espírito gótico da obra: naves como castelos mal assombrados e personagens fadados à derrota.



Longe de ser perfeito, ainda mais longe de ser um dos melhores trabalhos do Bava, “O Planeta dos Vampiros” é um filme que fora recentemente redescoberto e reavaliado por público e crítica.


No dia de 19 de Maio de 2016, a primeira e única ficção científica dirigida por Mario Bava fora projetada em versão restaurada, em qualidade 4K, sob a curadoria de Nicolas Winding Refn. Após a projeção, o diretor dinamarquês declarou que, finalmente, sabemos de onde Ridley Scott e Dan O’Bannon encontraram inspiração para o filme “Alien – O 8.° Passageiro” (Alien, 1979).


Felizmente, as palavras não são de acusação, mas, sim, de admiração.


Resenhas
https://www.cinehorror.com.br/resenhas/o-planeta-dos-vampiros?id=594
| 2866 | 01/07/2020
Precursor de "Alien, o Oitavo Passageiro"; "O Planeta dos Vampiros", de Mario Bava, também traz como curiosidade a presença da brasileira Norma Bengell no elenco.
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