Há muito tempo (nos anos 80), numa galáxia muito, muito distante (na verdade, na Inglaterra), Alan Moore fez HQs com os personagens mais clássicos de uma das mais famosas franquias da história do cinema. Sim, o mago de Northampton, tido por muitos como o melhor roteirista de quadrinhos que já existiu, escreveu histórias com Luke Skywalker, Leia Organa, Han Solo, Chewbacca, C3PO, R2-D2 e Darth Vader para a divisão britânica da Marvel em seu início de carreira, décadas antes da Walt Disney comprar tanto a editora quanto a franquia cinematográfica.
Alan Moore participou da equipe de artistas ingleses que, entre 1981 e 1982, tiveram a curtíssima experiência de produzir quadrinhos próprios e em preto e branco com aqueles personagens a princípio apenas para circular no mercado local, mas que em meados dos anos 90 acabou sendo compilado e colorizado em uma minissérie nos Estados Unidos chamada de Star Wars: Devilworlds. Este ano, pela primeira vez, tal raridade saiu no Brasil pela Panini na coleção que a editora está publicando de várias encarnações dos quadrinhos inspirados pelos filmes de George Lucas. Em Star Wars – Made in UK, os brasileiros podem finalmente, depois de quarenta anos, conhecer essa inusitada parceria.
Para sermos justos, não são apenas HQs de Moores compiladas no álbum de luxo de pouco mais de 90 páginas. A revista abre com “Máscara da Morte!”, do roteirista Steve Moore (não é parente do criador de Watchmen) com arte de John Stokes. Única HQ a preservar o preto e branco original, mostra Luke enfrentando uma ameaça telepática. O mesmo Steve Moore, agora com desenhos de Alan Davis, também assina “Crueldade do Cavaleiro Sombrio”, que mostra um plano de Darth Vader para acabar com os gêmeos Luke e Leia. Por fim, John Stokes volta para ilustrar o roteiro de Steve Parkhouse em “O Voo da Falcon”, que mostra a origem de uma das mais icônicas naves espaciais de todos os tempos.
Mas claro que o chamariz da edição não poderia deixar de ser as cinco HQs roteirizadas por Alan Moore. Vamos então a elas. Em “O Efeito Pandora”, com desenhos do já falecido artista espanhol Adolfo Buylla, vemos a princesa Leia contar com a escolta da dupla Han Solo e Chewbacca em um planeta de péssima reputação, assim descrito nos recordatórios: “Attahox fedia a pobreza e doenças, sangue e vinho ruim. Fedia a frutas podres e paixão sem amor. E isso não é o pior... pois Attahox é um mundo cuja alma se banqueteou na própria futilidade. E a alma de Attahox fedia mais do que tudo”. Depois de uma fuga de tal paraíso, os rebeldes acabam capturados por um estranho grupo de cinco alienígenas e para sobreviver eles acabam por abrir algo tão perigoso quanto a mitológica caixa que empresta seu nome para essa história.
Já em “Tilotny Cria uma Forma”, ilustrada por John Stokes, Leia se encontra sozinha em um outro planeta, no qual encontra armaduras de stormtroopers aparentando ter milhares de anos... ou seja, muito mais antigas que o próprio Império. O mistério só pode ser esclarecido quando surge na trama a entidade do título e outros companheiros seus, seres tão poderosos que inadvertidamente podem criar e destruir vida sem o menor esforço.
“A Consciência do Lorde das Trevas” é o caso mais curioso de todas essas pequenas desventuras. Quando publicada pela primeira vez na revista inglesa Empire Strikes Back Monthly 155, em abril de 1982, a última página do roteiros foi extraviada, e o desenhista John Stokes só entregou as cinco folhas que acabaram impressas, interrompendo a HQ de forma abrupta. O final conforme escrito por Alan Moore só foi finalmente produzido uma década e meia depois, em 1996, quando saiu nos EUA aquela minissérie Star Wars – Devilworlds. Só assim o público pode saber a conclusão de um bizarro jogo que lembra aquele xadrez espacial que Chewbacca mantinha a bordo da Milleniun Falcon, mas aqui com peças reais e não apenas holografias. De um lado do tabuleiro, Darth Vader, do outro uma criatura tentacular à moda de Lovecraft ou do filme A Chegada.
“A Ferrugem Nunca Dorme” talvez seja a melhor de todas as HQs presentes neste encadernado, protagonizada pelos célebres droides C3PO e R2-D2. A dupla está em uma missão no mundo para onde são enviados aos autômatos fora de uso, uma espécie de ferro-velho de proporções cósmicas. Para tentar mobilizar uma resistência que impeça as forças do Império a usufruir daquele manancial de peças metálicas, eles buscam organizar os autômatos locais, robôs que possuem uma profunda crença religiosa. Será que a fé desses droides será o suficiente para protegê-los de uma invasão de stormtroopers? A arte é de Alan Davis, o mesmo desenhista que fez com Alan Moore a mais célebre saga da divisão inglesa da Marvel, protagonizada pelo Capitão Britânia.
Fechando o álbum, “Fúria Cega!”, mais uma com desenhos de Stokes, mostra Luke naquele seu famoso treinamento com o sabre de luz feito com os olhos vendados. Nesta condição, o rapaz recebe um pedido urgente de socorro vindo de um planeta sobre o qual já havia sido alertado por seu antigo mestre Ben Kenobi.
Longe de ser um material imperdível, a menos que você seja um colecionador completista das histórias de Alan Moore ou das várias versões da space opera, Star Wars – Made in UK pode garantir uma leitura agradável e boas surpresas. Nos melhores casos, como “A Consciência do Lorde das Trevas” e principalmente “A Ferrugem Nunca Dorme”, lembra bastante as melhores HQs curtas que o roteirista escrevia para a renomada revista 2000 AD. Em outras, como “Fúria Cega!”, não vemos um Moore dos mais inspirados, apenas cumprindo seus prazos e abrindo caminho com o que pagasse suas contas enquanto abria sua trilha na história dos quadrinhos mundiais.
Onde comprar:
Guerra Civil traz uma abordagem íntima a guerra e serve como metalinguagem para muitos problemas sociais atuais.