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SUSPIRIA (2018)

Por: Dino Lucas Galeazzi

Título Original: Suspiria (Itália/EUA – 2018)
Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: David Kajganich
Elenco: Dakota Johnson, Tilda Swinton, Mia Goth, Chloë Grace Moretz, Jessica Harper.


Duração: 152 min.


Sinopse: Susie Bannion (Dakota Johnson), uma jovem bailarina americana, vai para a prestigiada Markos Tanz Company, em Berlim. Ela chega assim que Patricia (Chloë Grace Moretz) desaparece misteriosamente. Tendo um progresso extraordinário, com a orientação de Madame Blanc (Tilda Swinton), Susie acaba fazendo amizade com outra dançarina, Sara (Mia Goth), que compartilha com ela todas suas suspeitas obscuras e ameaçadoras.



Afinal, o que é o novo “Suspiria” (2018)? Um simples remake do clássico de 1977 que pôs tonalidades acinzentadas no lugar das celebérrimas cores primárias saturadas? Uma homenagem que substituiu as músicas hipnóticas da banda I Goblin por uma trilha pop-suave elaborada pelo Thom Yorke do grupo Radiohead? Um potencial reboot da franquia das Tre Madri (Três Mães), uma mitologia criada por Dario Argento numa trilogia de qualidade dúbia, o que implicaria (oh, não!) em mais duas seqüelas forçadamente ambientadas em contextos históricos totalmente nada-a-ver com o material original? Talvez o novo “Suspiria” seja tudo isso, o que inevitavelmente resultou numa bizarrice catastrófica.


Da trama do original sobrou pouco ou nada: os nomes de alguns dos personagens; a idéia de uma escola de dança que serve de fachada para um coven de bruxas; uma protagonista rigorosamente norte-americana. Ah, mas espera, com relação a esta última houve um erro de digitação e, portanto, Suzy Bannion virou Susanna Bannion. Susie, para os íntimos.


Susie não é mais a Suzy do Argento, isto é, uma tímida, porém talentosa, dançarina estrangeira que anseia pelo sucesso e pela fama. Não, nunca. Isso seria simples demais. Susie agora é uma tímida, porém talentosa, dançarina estrangeira que anseia pelo sucesso e pela fama, que descende de uma castradora família mórmon do Ohio. Graças a este clichê da mulher religiosa sexualmente reprimida, a história ganha todo um novo significado. Só que não.


A chegada de Susie à Tanz Dance Academy da Berlim Ocidental coincide com o período de turbulência política do país, com o desaparecimento da estudante Patricia Hingle, que também é uma integrante da RAF, e com a fatídica decisão da bruxa Markos de se reencarnar no corpo de uma das jovens dançarinas... obviamente, sua atenção recai na promissora Susie.


Já que uma hora e meia de filme teria sido uma opção extremamente mainstream, o diretor Luca Guadagnino e seu roteirista de sobrenome difícil, David Kajganich, optaram por introduzir uma hora desnecessária de subplot, envolvendo o psicólogo de Patricia, o doutor Josef Klemperer, e o complexo de culpa que este carrega consigo por ter perdido sua esposa durante os anos do holocausto nazista. Paradoxalmente, é a partir da análise de um personagem secundário que podemos nos arriscar a interpretar o filme.



Ainda no primeiro ato, acompanhamos a rotina de Josef, que, ciclicamente, visita a casa de campo onde morava com sua esposa antes da chegada do Terceiro Reich. Ao sair do consultório, o sobrinho de Josef lhe comunica que irá com a namorada para a universidade, onde Lacan está ministrando uma palestra. Ao escutar esse nome, o doutor replica com um tom de desgosto, o que não nos deve surpreender, já que seu livro de cabeceira é “A Psicologia do Inconsciente” de Carl Gustav Jung. E, de fato, o novo “Suspiria” sustenta-se em conceitos distorcidos de matriz junguiana: a ideologia do coven está ligada à espiritualidade gnóstica; matronas e dançarinas da academia de dança compartilham sonhos e pesadelos, remetendo ao conceito de inconsciente coletivo; o derradeiro plot twist, com uma apática Susie Bannion revelando ser uma das Três Mães, é o resultado da jornada interior da heroína, isto é, o fim de um processo de autodescoberta aos moldes de Joseph Campbell.


O insight junguiano está tangível, também, no desnecessário contexto histórico do filme. Por exemplo, enquanto o conciliábulo está elegendo a bruxa que irá guiar o sabbath, um dos membros do grupo liga o rádio, o qual está transmitindo a notícia do seqüestro do vôo da Lufthansa por parte dos terroristas do RAF. Ao longo de todo o filme, acontecimentos reais do passado sobrepõem-se à trama central, num pout-pourri de eventos desconexos: diretor e roteirista, sentindo a necessidade de dar uma maior espessura a um simples giallo sobre feitiçaria, tentam aqui, desesperadamente, de fazer coincidir as feridas sociopolíticas da nação alemã com o sofrimento das personagens femininas, utilizando-se do sobrenatural em chave alegórica para unir duas instâncias inconciliáveis.


Enquanto para Freud o trauma dizia exclusivamente respeito ao indivíduo, para Jung tratava-se de algo universal, algo além das contingências e das pulsões sexuais reprimidas.   


Só assim para justificarmos a hipertrofia metafórica que acomete os cento e cinqüenta minutos intermináveis de “Suspiria”. Porque, sim, tudo aqui possui um segundo significado. A dança Volk é símbolo de opressão. A lógica perversa da Tanz Dance Academy remete à lógica nazi-fascista. Josef é símbolo da culpa do passado alemão. A rebelião de dançarinas como Patricia, Olga e Sara traduz o sentimento daqueles jovens que acabaram por integrar grupos terroristas como o Baader Meinhof. A Berlim dividida pelo muro é símbolo de uma Europa fraturada, de um mundo dividido pela Guerra Fria, e, por que não?, de um universo em colapso. Susie Bannion é pura emancipação feminina, assustadora e destrutiva, um pouco como outra personagem vivida pela atriz Dakota Johnson na imprestável franquia dos “Cinqüenta Tons” (2015 - 2018), né mesmo? E por aí vai.



O prédio do coven dá de cara com o muro de Berlim, uma escolha cenográfica que remete a um dos maiores filmes do gênero de terror de todos os tempos, isto é, o “Possessão” (1981) de Andrzej Zulawski. É possível, inclusive, que Kajganich tenha se inspirado nesta obra-prima para escrever seu roteiro/ catástrofe. Todavia, lá onde em “Suspiria” tudo converge para uma pretensiosa verdade última, isto é, para uma predeterminação de roteiro insustentável, com uma vergonhosa Mater Suspiriorum metendo pau num punhado de personagens insípidos, em “Possessão” os fatos acontecem por acumulação, rompendo com a causalidade à qual toda sinopse está submetida, e implodindo diante de uma (ausência de) lógica onírica.


Guadagnino queria tanto prestar homenagem a um filme que (diz ele) o influenciou na adolescência que acabou pedindo para outra pessoa roteirizá-lo em seu lugar. E quase convenceu o David Gordon Green a dirigir essa bomba. Quase.


Só nos resta rezar para que o estrago se limite ao “Suspiria”.


Já existe uma homenagem do “Inferno” (1980) e foi feita em 2013 por Bruno Forzani e Hélène Cattet: se intitula “L’étrange couleur des larmes de ton corps” e é uma obra-prima. E sim, ninguém merece um remake de “O Retorno da Maldição: A Mãe das Lágrimas” (2007), não é? Ninguém.


 

Resenhas
https://www.cinehorror.com.br/resenhas/suspiria-2018?id=184
| 2370 | 22/01/2019
Da trama do original sobrou pouco ou nada: os nomes de alguns dos personagens; a idéia de uma escola de dança que serve de fachada para um coven de bruxas; uma protagonista rigorosamente norte-americana
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